SEMEAREI ÁGUA

 

Não vês aí em nossa frente as águas se

Balançando? De onde teriam vindo, cruzando

Os ventos? Ora banhando praias distantes

Ou dando em lugares desertos. Vês este é

O rio Negro aquele outro ao sul é o Pardo.

Todos se encaminham para o mar ... Antes

Banham as terras magras.

Leva-me, te mostrarei as árvores

E os vaga-lumes nas noites escuras. Poderemos

Amar a erva e o céu. Sem receios

E sem cansaço. Será sempre bela o tempo

Nada fará. Talvez me faças ver mais adiante

E não serei triste. Semearei água nas terras

Secas. Os doidos só vêem os essencial.

 

Cães sarnentos e esquelético

De olhar doce e humano

Fugiam sempre. Eram enxotados

A todo instante. Só as crianças

 

Tratavam-nos bem. Olhos remelentos e

Comoventes pobres pobres e sem

Dono. Não se metiam em brigas

Farejavam os meninos amigos

 

Até na igreja eram escorchados

Mas a lua iluminava ao rei e

A eles. A brisa soprando não

Discriminava. A água matava

 

A sede do homem, da ave e do cão

A terra alimentava a todos

O eco longínquo era ouvido por eles

Também. São alguns Santos em penitência?

 

Se pudesse fugir de mim

Afundar-me na escuridão

Das matas fechadas e repousar sem fim

Por mais ligeiro na corrida acompanha-me a assombração

 

Na estrada paro e me escondo

Onde ninguém vai; a sombra impede

Ligeiro apresso-me, num tempo que o vento

Leva e não se percebe

 

Por mais coisas que faça e me transmude

A minha mão se aperta

E sem saber o que fazer

O eu que não sou, nada há que o satisfaça

 

Cansado de querer o que não desejo

Peço somente sono e repouso

Despejo-me no rio surdo de águas claras e vejo

O silêncio fazendo barulho e dormir não ouso.

 

Vejo e falo a muita gente

Meu pensamento solitário

Está trancado dentro de mim

Mágoa e solidão me acompanham

 

Não enxergo as pedras e nem as

Raízes. À noite passam

Navios iluminados indo e

Vindo. Entre os viajantes

 

Haverá algum santo?

Não há flores e nem árvores e

faltam os que sonham em

Conhecer outras terras ...

 

Os pássaros não viajam ali

Mas vão pelo espaço sem

Cais e sem porto

Os sanfoneiros vão a cavalo

Onde os noivos os esperam. A sanfona

Alegra os namorados.

 

Nada tenho para dar

Nem mesmo o tempo

É limitado e é consumido

Com o trabalho

 

Poucos são aqueles a quem falo

E muitos me procuram

por nada. Se tivesse

Continuado a soltar papagaio

 

Seria livre como as andorinhas

Não entenderia os homens

Teria pena deles e de mim

Saberia a vida do vento

 

E a época dos vaga-lumes

Com as suas lanterninhas.

Saberia as idades

Das nuvens e os dias de arco-íris