UM PREITO DE SAUDADES AO IRMÃO BENTO
ESTRELA


Viver tem dessas coisas e, por isso mesmo, quase sempre somos colocados à prova. Tudo porque a morte não nos confere alternativa. E, em face dela só há um caminho. Ou a aceitamos ou a aceitamos. Trata-se de uma espécie de contrato de adesão, com cláusulas pré-estabelecidas, que não admitem modificação. Temos sempre à elas aderir.

E assim sempre será.

Coexistindo com duas únicas certezas : uma, a de que um dia nascemos e a outro, que cedo ou tarde, pereceremos. E disso ninguém duvida.

Mas, quem se acha preparado para suportar a morte ou a dor da perda ? Quem se conforma com ela ? Quem aceita a partida de um ente querido ?

Há séculos, os dogmas religiosos vem tentando definir a existencia humana em dois corpos: um em seu sentido material, visível e palpável, e o outro, invisivel ( pelos menos aos olhos leigos da esmagadora maioria), que se convencionou chamar de alma ou de espirito. Sobre este último, tem-se a verdadeira vida, sem a qual o corpo humano nada seria, sequer existiria.

É o que pensamos, pois acreditamos na existencia de uma outra vida espiritual.

Resta a indagação e a incerteza para nós, faliveis mortais, sobre o que acontece com o espirito a partir do perecimento do corpo material. Cada facção religiosa, a partir da interpretação das sagradas escrituras, vem tentando explicar, cada uma a seu modo, aquilo que melhor lhe conforta.

É preciso compreensão para se ter conforto neste triste e inconfundível momento de perda. Procura-se um alento, mesmo insignificante, do que se tentar entender e aceitar a indesejada separação do ente querido que parte, especialmente quando esta se dá de forma brusca e inesperada.

É como estamos nos sentindo ao passamento de nosso querido estimado Irmão Bento Antonio Bueno, porque ele era assim, um excelente e dedicado pai de família, laborioso obreiro , sempre preocupado com os seus irmãos, sobretudo com aqueles com quem mantinha os laços fraternos da Maçonaria.

Sua morte prematura, acontecida na tarde daquele fatídico sábado, dia 26 de junho de 2004, seguramente deixou-nos a todos desolados. Jamais poderíamos imaginar que, depois de tanto sofrimento e indescritível resignação, depois de transpor tantas difíceis etapas, pudesse vir a ser ele convocado pelo Altíssimo. Vivíamos a esperança do dia a dia aguardando as boas informações que a todo tempo nos reconfortavam, pelas sucessivas melhoras passadas sobre seu quadro clínico, satisfário e alvissareiro, mesmo depois das cirurgias a que se viu compelido a submeter, motivando sua permanência resignada na esperança de voltar para casa.

Foi mantido naquele leito de sofrimento, no Hospital da UNICAMP, por cerca de 66 dias, grande parte deles em regime de UTI, motivo de jamais imaginarmos pudesse vir ele a sucumbir da forma acontecida. Uma intercorrência não esperada sequer pelos médicos que o assistiram, culminou por levá-lo a óbito, o que nos fez, de certo modo, a sucumbirmos também, prostados na ausencia de força para reagirmos a tão rude golpe.

Sim. A mesma vida que nos concedeu oportunidade e a alegria de com ele conviver, relacionar e compartilhar, nos é retirada sua presença. A dor de sua ausência vem sendo sentida por todos. Tudo porque estamos acostumados, com raríssimas excecões, a ver a vida com os olhos do materialismo e não com a visão da alma. E é esta visão, tenham a certeza, que o Irmão Bento tinha das coisas, face às suas convicções espirituais, na medida em que tinha certeza que algum dia a vida chegaria ao seu termo.

A sua vida familiar sempre foi digna. Seu relacionamento com os filhos Camila, Gustavo e Flávia nunca teve reparos. A sua convivência de mais de duas décadas com a cunhada Sueli era digna de relevo, falavam a mesma língua, enfrentavam juntos os problemas comuns a um casal unido.

O seu crescimento no seio da Maçonaria foi meritória e destacada, granjeou dentro da Loja Maçonica as mais sinceras amizades. Granjeou por mérito, vontade própria e profunda abnegação os Altos Graus Filosoficos, tendo, inclusive, atingido a justa assunção do Veneralato da Loja de Perfeição Abolição e Independencia, em cujos graus só não chegou ao último degrau da Escada de Jacó em razão de sua morte. Tanto que já se preparava para a obtenção do Grau 30.

Foi o primeiro Venerável Mestre da nossa querida Loja e um ano após veio a ser conduzido ao cargo. Portanto foi o unico ocupante do Trono de Salomão por dois exercícios seguidos em nossa Loja.

A Terra, assim, é ao mesmo tempo deserta e rica. Rica desses jardins secretos, escondidos, difíceis de serem atingidos, mas aos quais o oficio nos conduz sempre, um dia ao outro.

A vida nos separa talvez dos Irmãos, e nos impede de pensar muito nisso. Eles estão em algum lugar, aonde não sabemos elucidar, silenciosos e esquecidos, mais tão fiéis! E se cruzamos seus caminhos, eles nos sacodem pelos ombros com belos lampejos de alegria. Sim, porque nós temos o hábito de esperar.

No entanto,... "Quando se dá o evento morte de um ente querido, é preciso compreender e, também entender que a eternidade está dando um passo. Imaginemos neste contexto que estejamos a beira mar onde avistamos um navio navegando mar adentro. Nele fixamos o nosso olhar, enquanto ele se afasta lentamente, cada vez mais longe, até que, finalmente, mais parece um longíquo ponto no horizonte. Lá onde o mar e o céu se encontram. E dizemos: "Pronto, ele se foi". Foi para onde? Foi a um lugar que nossa visão não atinge, só isto! Não! Ele continua tão grande, tão majestoso e tão importante como era quando junto a nós se achava na partida. A dimensão diminuida, portanto, está em nós, não nele!.

E, naquele exato momento quando dizemos:... "ele se foi", na verdade há outros olhos e braços noutra dimensão a ampará-lo em conforto, dizendo: "ELE ESTÁ CHEGANDO".
ESTRELA
IIr.'. da A.'.R.'.L.'.S.'. COMPROMISSO DE UNIÃO - Brodowski-SP ( GOSP/GOB )
Ir.´. Júlio Cesar de Paula

Publicado no jornal maçonico " TRIÂNGULO ", nº 79, setembro/2004,
editado pelo Ir.´. José Henrique Silva Filho.