MINHAS ROUPAS SAEM E VOLTAM

 

Minhas roupas saem e voltam

Sem mim – acompanham gentes

Não falam, mas se amarrotam

Tristes roupas nem frases ouvem

 

Mesmo horizontais. Fico nu.

Miúdo, desengonçado sem serventia

Se ainda fosse amigo do rei.

 

Pobre dono de panos, não posso

Sair também, já nem corpo tenho.

Nada me vê e não me falam

Quando me perdi?

 

Se estivesse ainda naquela rua

Fugi de mim? Pegaram-me de

Propósito jogando-me fora, aos pedaços ...

 

Acordei antes da morte?

Quem soprou-me a realidade?

Via as areias, areias de meu

Povoado pouco pisadas.

 

Brilhavam sempre

Noites frias e estreladas.

Mesmo mal-assombradas

Havia as vozes boas e os ruídos

 

Caseiros. Almas infantis

Dos anjinhos. Sepultados na

Véspera. Habitavam o espaço

Levando o perfume

 

De rosas e de cravos

Tão verdadeiro e

Tão inexistente ...

 

Paris, outubro de 1961