A REVOLTA
I
Os
inventariantes pedirão conta dos cílios
Apedrejados. Das
madeiras inertes e dos cabelos
Perdidos e dos
egoísmos. Das penas das aves
Das chuvas
inúteis. Dos furacões e dos ventos
II
Dos espaços
perdidos. Das lágrimas secas
Dos carvões em
brasa e das fogueiras de São João.
Das violetas sob
a terra nos cemitérios
Das cores claras
das moças morenas.
III
Das gotas d’água
afundadas nas pedras. Dos laranjais
Sem laranja e
das malvadezas. Das águas constantes e
Da lepra. Quem
responderá? Os inventariantes quererão saber
Dos feios e dos
pequenos funcionários que estão sempre
IV
Nas filas, filas
de caixões de defunto. Filas das prestações
Nas filas dos
hospitais, filas dos sofrimentos de arrancar
Dentes, de
arrancar o olho e transfusões de sangue com água
Nas filas de
leite com água e nas filas de pedir água.
V
Nas filas
intermináveis da morte que não chega ...
Pedirão conta do
lodo. Das espadas brancas. Dos cães amedrontados
Dos pés
estragados, dos dedos perdidos. Da nave morta e
Repelida, cheia
de gente viva. Dos fornos queimando vivos.
VI
Queimando
crianças com flores e velhos com sonhos
Mulheres antigas
e jovens ... Pedirão conta das éguas
Solteironas. Dos
frutos podres que os meninos não comeram
Dos que
engendram a maldição. Dos cheiros misturados.
VII
Dos fogos
perdidos. Das meninas feias morando distante
Moirões
queimados e das angústias. Dos ninhos de joões-de-barro
Das areias
estéreis. Da malária. Da ameba. Das sezões. Dos
VIII
Sarampos. Das
tosses compridas. Das seriemas e gabirobeiras
Dos meninos
caolhos e barrigudos. Dos estropiados. Dos
Espinhos. Das
borboletas refletidas n’água estagnada.
Das gotas de
sangue desconhecidas. Dos urubus tristes e
IX
Malqueridos. Das
moças sem dentes e sempre grávidas.
Das manchas
amarelas nas pedras. Ouvirão os homenzinhos fugidios?
Pedirão conta
dos gritos sem eco. Das fomes mortas.
Das estradas
azuis. Das nascentes nas montanhas.
X
Dos ruídos
à-toa. Das almas mortas sem destino.
Dos enfartes no
silêncio dos campos. Pedirão conta
Dos silêncios
intermináveis. Dos pobres assassinados e dos
Assassinados a
machado. Dos desastres e trilhos enferrujados.
XI
Das porteiras
cantadeiras e solitárias. Das portas abandonadas.
Das tristezas
vagando. Dos escorpiões e viúvas-negras só
Conhecidas dos
pequeninos ... pedirão conta da
Erva nascida do
sopro da inocência ...
Entre
Nancy e Paris,
1 de
novembro de 1961